Ao término do mês de outubro, mês dedicado especialmente à promoção e reflexão sobre a dimensão missionária da Igreja, o Katholika conversou com o Pe. Antônio Niemiec, Secretário Nacional da Pontifícia União Missionária, sobre a atuação das POM (Pontifícias Obras Missionárias) no Brasil.
O Pe. Antônio é um polonês em missão no Brasil. Nascido em Libusza, na Polônia, é filho de uma família católica praticante. Em 1983, entrou na Congregação Redentorista. Cinco anos depois, ainda como seminarista, juntamente com mais dois colegas, foi enviado para o Brasil para continuar a formação religiosa e presbiteral. Em 1991, foi ordenado padre, no santuário em Bom Jesus da Lapa, no sertão da Bahia.
Até o final de 2017, atuou em diversos setores de vida pastoral na Vice Província Redentorista da Bahia e no Regional Nordeste 3. Trabalhou na formação de seminaristas, na promoção de missões populares, na formação de missionários leigos, além de atuar em áreas de periferia em Salvador. Atuou junto à coordenação dos redentoristas na Bahia, no Centro Missionário Redentorista, faculdades de teologia, Conselho Missionário Regional, assessoria de pastoral no Regional Nordeste 3, entre outras coisas.
No final de 2017, o Pe. Antônio foi convidado para assumir a função de assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da CNBB e secretário nacional da Pontifícia União Missionária.
ENTREVISTA
KATHOLIKA: Pe. Antônio Niemiec, o que o senhor pode nos falar a respeito das Pontifícias Obras Missionárias (POM)?
PE. ANTÔNIO: As Pontifícias Obras Missionárias (POM) são organismos oficiais da Igreja Católica; são obras do Papa para a Igreja toda, no mundo inteiro. Existem para intensificar a animação, formação e cooperação missionária em todos os níveis e sujeitos eclesiais. Existem quatro Obras Missionárias, a saber: Pontifícia Obra Missionária para a Propagação da Fé, Pontifícia Obra da Infância e Adolescência Missionária, Pontifícia Obra Missionária de São Pedro ApóstoloePontifícia União Missionária. A todas essas Obras atribui-se a qualificação de pontifícias, porque se desenvolveram com o apoio da Santa Sé que, ao fazê-las próprias, lhes concedeu um caráter universal. Conforme o documento Cooperatio Missionalis, da Congregação para Evangelização dos Povos, as POM “têm o objetivo de promover o espírito missionário universal no seio do povo de Deus” (CMi, 5). “As Obras Missionárias, desde o início, avançaram sobre dois «trilhos»: a oração e a caridade. Estruturaram-se como uma rede capilar espalhada no seio do povo de Deus, plenamente ancorada e efetivamente «imanente» à rede das instituições e realidades da vida eclesial pré-existentes, como as dioceses, as paróquias, as comunidades religiosas. A solicitação no sentido de rezar e angariar recursos para a missão sempre foi feita como um serviço à comunhão eclesial” (Mensagem do Papa Francisco às Pontifícias Obras Missionárias, divulgada em 21/05/2020).
KATHOLIKA: Que ações o senhor pode destacar das POM no Brasil?
PE. ANTÔNIO: É bom saber que cada uma das quatro Obras, independentemente do lugar, do país, tem sua atuação específica, a saber:
- Pontifícia Obra Missionária para a Propagação da Fé: visa suscitar o compromisso pela evangelização universal em todo o povo de Deus e promover, nas Igrejas locais, a ajuda tanto espiritual como material;
- Pontifícia Obra da Infância e Adolescência Missionária: auxilia os educadores a despertar gradualmente a consciência missionária nas crianças e adolescentes, animando-as a partilhar a fé e os bens materiais com as crianças das regiões mais necessitadas; ajuda também promover as vocações missionárias desde a infância;
- Pontifícia Obra Missionária de São Pedro Apóstolo: visa sensibilizar o povo cristão acerca da importância do clero local nos “territórios de missão”, convidando-o a colaborar espiritual e materialmente na formação dos candidatos ao sacerdócio e à vida consagrada;
- Pontifícia União Missionária: visa a sensibilização missionária dos sacerdotes, seminaristas, consagrados/as e leigos/as. Esta Obra é como que a alma das outras Obras, porque ocupa-se especificamente com a formação missionária.
No Brasil, essas Obras desenvolvem diversas atividades, entre as quais podemos destacar as seguintes: promover e apoiar, nas Regionais, dioceses e prelazias, iniciativas de formação missionária e sensibilização para a missão universal; promover a formação missionária dos ordenados, consagrados/as, assim como seus candidatos e leigos/as; acompanhar e apoiar os Conselhos Missionários de Seminaristas (COMISEs); incentivar atividades e projetos missionários nos Regionais, nas dioceses, ad gentes e além-fronteiras; promover e apoiar iniciativas e projetos de ajuda espiritual e material; organizar a Campanha Missionária no mês de outubro e preparar subsídios de apoio; promover congressos missionários nacionais, em vista da animação, formação e cooperação missionária; ajudar na implantação, articulação e expansão das Obras Missionárias nos Regionais, Estados e dioceses; produzir subsídios missionários; zelar pela divulgação de notícias, publicações e eventos missionários.
KATHOLIKA: Como o senhor chegou às POM e qual a sua área de atuação hoje?
PE. ANTÔNIO: Antes de tudo, foi uma imensa surpresa o convite que recebi, no final de 2017, para assumir essa responsabilidade nas POM. Sempre vivi e atuei no Nordeste do Brasil, como missionário redentorista, assumindo diversas responsabilidades na Congregação e na Igreja, mas sempre naquela região cuja realidade já conheci bem e onde me senti “em casa” ao realizar minha vocação missionária. Mas, Deus nunca nos deixa quietos e acomodados e sempre vai nos desinstalando, vai nos fazendo sair e aumentando as exigências na medida em que vamos caminhando. E o que caracterizou a minha vida, até agora, foi esse desinstalar-me constante diante, novos apelos, convites e exigências.
Nas POM, assumi a função de secretário nacional da Pontifícia União Missionária. Essa Obra “é como a alma das outras Obras [Pontifícias]” (CMi, 4), visto que “educa a sensibilização missionária dos sacerdotes, dos seminaristas, dos membros dos Institutos masculinos e femininos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica, e dos seus candidatos, bem como dos missionários leigos comprometidos diretamente na missão universal” (CMi, 4).
O contexto eclesial atual, graças ao pontificado do Papa Francisco, evidencia e favorece a missão e a missionariedade. A Igreja se voltou fortemente ao essencial, visto que a Igreja ou é missionária ou não é Igreja de Cristo. Podemos ver isso também nos documentos oficiais da Igreja do Brasil. Com essa renovada consciência missionária torna-se mais fácil colocar em prática os objetivos a as atividades que a Pontifícia União Missionária se propõe.
KATHOLIKA: O senhor tem um trabalho singular na formação missionária dos seminaristas em todo o Brasil. Conte-nos um pouco dessa experiência e quais os desafios na conscientização missionária dos candidatos aos ministérios ordenados.
PE. ANTÔNIO: No serviço que assumi na Pontifícia União Missionária, vejo-me, antes de tudo, como um aprendiz. Tento viver em atitude de escuta e procuro aprender com os que têm muito mais experiência no campo formativo. Procuro estar aberto aos sinais dos tempos e às pessoas com as quais estou colaborando para ter um discernimento adequado antes de agir.
Vale a pena lembrar que essa preocupação pela formação missionária nos seminários já tem sua história no Brasil. Há mais de 30 anos, no Seminário Maior Interdiocesano Sagrado Coração de Jesus, em Teresina-PI, foi criado o primeiro Conselho Missionário de Seminaristas (COMISE) no Brasil. A iniciativa foi idealizada para ajudar na animação missionária nos diversos momentos da vida formativa dos seminaristas e para despertar o ardor pela missão nos corações dos futuros presbíteros da Igreja no Piauí. Há uns quinze anos atrás, as POM, através do secretário nacional da Pontifícia União Missionária, assumiram a responsabilidade de expandir e fomentar essa experiência em todos os seminários diocesanos e casas de formação de religiosos.
Entre as iniciativas mais importantes, no campo de animação, formação, articulação e ação missionária dos seminaristas, incentivadas, apoiadas e acompanhadas pela PONTIFÍCIA União Missionária, estão: o contato com os coordenadores dos COMISEs e apoio a eles, visita aos COMISEs existentes, assessorias nos eventos (encontros, congressos, simpósios, assembleias), produção de subsídios e materiais de apoio aos COMISEs, acompanhamento de experiências missionárias dos seminaristas, busca da comunhão com a Organização de Seminários e Institutos do Brasil (OSIB).
Hoje, os COMISEs são uma realidade muito presente na vida dos seminários e casas de formação de religiosos. Existem e estão articulados em todos os 18 Regionais.
A própria CNBB reconhece a importância dessa articulação quando diz: “Assinalamos com alegria o surgimento dos Conselhos Missionários de Seminaristas (COMISEs) em muitas casas de formação presbiteral pelo Brasil afora: o objetivo desta articulação é garantir uma formação missionária aos candidatos ao ministério ordenado, através de iniciativas específicas de animação e engajamento, de modo que “não exista um só clérigo em que não arda este sagrado fogo de caridade pelo apostolado missionário” (Estudos da CNBB 108, Missão e cooperação missionária, n. 34).
Entre os principais desafios na conscientização missionária dos candidatos aos ministérios ordenados destacamos os seguintes: superar uma visão reducionista e distorcida da “missão”, vista ainda como uma dimensão ou algo ligado à teologia da libertação ou às pastorais sociais; proporcionar uma adequada e atualizada compreensão da “missão”, “missão ad e inter gentes”, “missão além-fronteiras”; inserção da disciplina de missiologia dentro do currículo de teologia em algumas Faculdades e Institutos de Teologia no Brasil; uma maior comunhão e colaboração com a OSIB, em nível nacional e regional; implantação dos COMISEs onde não existem ou fortalecer onde estão mais desarticulados; vivenciar melhor a Campanha Missionária, nos seminários e casas de formação; incentivar e apoiar as experiências ad gentes além-fronteiras dos seminaristas; educar a sensibilização missionária dos formandos para que a atividade missionária seja vivida por eles, de fato, como “a principal e a mais sagrada atividade da Igreja” (AG, 29).
KATHOLIKA: O senhor vive em seu ministério uma experiência profunda de missão. Como é para o senhor dedicar sua vida num país e numa cultura tão diversa da sua?
PE. ANTÔNIO: Vim, ainda como seminarista, da Polônia para o Brasil e, mais especificamente, para a Bahia, no início de 1988. A partir do momento em que fui consagrado, através da profissão dos votos religiosos, como missionário redentorista, me senti livre para ser enviado para qualquer lugar do mundo e para qualquer atividade. A primeira oportunidade que surgiu, na época, foi a Terra de Santa Cruz; por isso, estou aqui. Depois de diversos anos de serviço missionário em terras brasileiras, me coloquei à disposição para ser enviado à missão ad gentes além-fronteiras, concretamente para Moçambique, mas não me foi concedido esse privilégio. Continuo com disponibilidade, se for necessário, para ir a qualquer lugar do mundo, onde a Igreja e a Congregação redentorista solicitarem e onde há mais necessidade.
No que se refere à enculturação é um processo longo, difícil e até doloroso. Entrar na alma do povo, entender seu modo de sentir, falar, agir, se comportar e tentar assumi-lo como algo próprio, exige muita abnegação e “morte interior”. Não é fácil. Falo isso da experiência vivida nesses mais de 33 anos no Brasil.
Alguns anos atrás, o meu já falecido confrade redentorista polonês, Pe. Tadeu Pawlik CSsR, no livro “Meus encontros com Jesus nos pobres”, descreveu essa experiência que eu gostaria de citar aqui, porque reflete um pouco daquilo que eu vivenciei também.
“Todos os missionários, num grau maior ou menor, passam por um choque cultural. Grande esforço intelectual e o cansaço físico levam o missionário a um estado de esgotamento ou choque. […] O missionário, encontrando-se num ambiente estranho, sofre um choque, que pode se manifestar de várias maneiras. Alguns sentem inclusive uma aversão ao ambiente encontrado; uma incompreensão de costumes, a maneira de viver do povo. A crescente nostalgia de sua casa, seus familiares e amigos, sentimento de solidão e a apatia para com a realidade encontrada, gera a vontade de retornar para a própria pátria. Caso o missionário volte ao país de origem, depois de muitos anos de serviço missionário, também terá que se adaptar às condições novas, mudadas. A chamada ‘segunda enculturação’ torna-se muito difícil, porque a realidade que ele tinha deixado anos antes, na sua pátria, não existe mais. O ambiente social, os conhecidos e até os confrades, o percebem como alguém diferente e estranho. Torna-se estranho na sua própria pátria. Por isso, o missionário precisa passar pela denominada ‘morte do despojamento’”.
KATHOLIKA: Além do Brasil, o senhor fez experiências missionárias em outros países. Pode nos contar uma dessas experiências?
PE. ANTÔNIO: Foi uma experiência muito breve. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2019, estive na Guiné Bissau, país localizado na África Ocidental e habitado por menos de 2 milhões de pessoas; considerado o 5º país mais pobre do mundo A língua oficial é o português, mas a maioria da população fala crioulo e muitos dialetos tribais. Existem, no país, mais de 30 etnias, com suas culturas, tradições, crenças e línguas. Estima-se que cerca de 45% da população segue religiões tradicionais; 40% são muçulmanos e 15% são cristãos (católicos e protestantes).
Em 2006, foi firmado o “Projeto de Solidariedade entre as Igrejas do Brasil e da Guiné-Bissau”, que contempla o envio de professores brasileiros à Guiné para a formação de seminaristas de filosofia e teologia. Até o presente momento, foram enviados uns 20 professores para ajudar a Igreja da Guiné Bissau a formar seus agentes de pastoral. No Seminário Maior Interdiocesano, o único no país, ministrei aulas da Sagrada Escritura e da Teologia Espiritual. No Seminário, além dos seminaristas das duas dioceses existentes na Guiné (Bissau e Bafatá), estudam também os seminaristas religiosos e irmãs religiosas, num total de cerca de 50 alunos.
Além da formação acadêmica, no Seminário Maior, os professores assumem também diversos outros serviços: celebrações no seminário e nas paróquias, encontros e cursos de formação para leigos, retiros, etc., conforme a disponibilidade de cada um e as solicitações recebidas. Também eu assumi muitas dessas atividades durante a minha estadia naquele país africano.
Tive também a graça de participar de duas reuniões com todos os bispos da Guiné Bissau e a equipe do Seminário para apresentar, discutir e encaminhar propostas de ampliação da cooperação entre a CNBB e a Igreja da Guiné Bissau.
KATHOLIKA: O que o senhor diria para os que se sentem chamados à missão?
PE. ANTÔNIO: Creio que todo cristão, consciente da sua vocação e assumindo-a, sente-se permanentemente chamado à missão. É que a missão é sua identidade, como nos lembram os bispos do Brasil, nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora 2019-2023, no número 21: “Jesus Cristo não confiou aos seus seguidores uma tarefa simples, mas conferiu-lhes uma identidade que os projeta para além de si, na comunhão com a Santíssima Trindade, em favor do mundo inteiro, por meio do testemunho, do serviço e do anúncio do Reino de Deus”.
Por isso, resta-nos então viver essa realidade porque, enquanto cristãos, discípulos missionários, “não temos outra felicidade nem outra prioridade que não seja sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja, para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante todas as dificuldades e resistências. Este é o melhor serviço – seu serviço! – que a Igreja tem que oferecer às pessoas e nações” (DAp 14).