A comunidade terapêutica “Fazenda da Esperança” desempenha um importante papel, desde 1983, no processo de recuperação de pessoas que buscam a libertação de seus vícios, como o álcool e as drogas.
Segundo informações, seu método de acolhimento visa três aspectos determinantes: o “trabalho” como processo pedagógico; a “convivência em família” e a “espiritualidade” para encontrar o sentido da vida.
Com mais de 150 casas de missão no Brasil e no exterior, o trabalho desenvolvido pelos envolvidos com a comunidade expressam as ações caritativas, acolhedoras e maternais da Igreja.
Buscando conhecer um pouco mais sobre este projeto, o Katholika entrou em contato com um dos membros da comunidade, o jovem Lucas Ricardo, que respondeu algumas perguntas, a fim de partilhar um pouco mais sobre a missão da comunidade. Lucas Ricardo é membro da Comunidade Terapêutica Fazenda da Esperança. Acompanhe:
KATHOLIKA: Como surgiu o desejo neste projeto de ajudar pessoas em seu processo de libertação dos vícios?
Na verdade, o desejo nunca foi criar um Centro de Recuperação, mas sim colocar em prática a Palavra de Deus amando cada próximo. Tudo começou em 1979 quando chegou em Guaratinguetá (SP) o frade franciscano Hans Stapel. Nas missas, ele sempre partilhava as experiências concretas que vivia com as frases do Evangelho e motivava os paroquianos a fazerem o mesmo.
Um certo dia, Nelson Giovanelli, um dos jovens que frequentava a paróquia, passou de bicicleta por uma esquina onde outros jovens faziam o uso de drogas. Impulsionado pela palavra “fiz-me fraco com os fracos, fiz-me tudo para todos”, Nelson resolveu se aproximar deles. Conquistou a confiança do grupo e passou a se encontrar com eles frequentemente.
No dia 29 de junho de 1983, um deles pediu ajuda para Nelson dizendo que não aguentava mais, pedindo: “preciso de alguém que me acompanhe 24 horas”.
Nelson sabia que humanamente não poderia assumir essa tarefa e teve a inspiração de apresentar para aquele jovem Jesus na Eucaristia.
Logo depois, outros jovens também fizeram o mesmo apelo ao Nelson. Tentando colaborar, Nelson alugou com seu próprio salário uma casa perto da paróquia e foi morar com todos eles. Alguns meses depois, eles ganharam um terreno na zona rural da cidade e mudaram-se para lá.
Frei Hans acompanhou o grupo em cada passo e obteve a liberação de seus superiores para morar com o grupo. Dessa forma, nascia a Casa da Bondade, que mais tarde, após uma reportagem do Fantástico, passou a se chamar “Fazenda da Esperança”. Atualmente são mais de 150 unidades espalhadas em 25 países diferentes.
KATHOLIKA: Qual o primeiro desafio a ser enfrentado por uma pessoa que se propõe a passar pelo processo de libertação dos vícios?
Cada pessoa possui desafios específicos. Em geral, alguém que se propõe a iniciar esse processo, é alguém que está confuso e ferido. Está fazendo mal a si mesmo e, neste momento, é incapaz de se defender, por isso, necessita de uma ajuda externa que o acompanhe em uma nova direção e o sustente com amor.
É um ser humano que se sente sozinho, emocionalmente fechado, socialmente marginalizado, mas que não perdeu a criatividade, a necessidade de “pertencer”, de fazer amizade e ter amor. É uma pessoa capaz de confrontar, estimar, respeitar, perdoar, de mostrar qualidades e de ter consciência. Um sujeito que possui a possibilidade de protagonista digno, comunicativo e dinâmico, que se expressa, se transforma, cresce. Desenvolve-se partindo de si mesmo em direção aos outros. Enfim, é uma pessoa, que com uma ajuda especializada, é capaz de renascer e projetar a própria vida em direção a autonomia e a liberdade.
KATHOLIKA: Como você (a Fazenda) poderia descrever alguém que, no auge de sua dependência, busca a Fazenda da Esperança? Mais do que a recuperação, o que ela está procurando?
Para as pessoas que se encontram no mundo das drogas, o processo do vazio interior é intenso. Todos aqueles que buscam o apoio da comunidade é porque experimentaram ou estão vivendo concretamente um período de desespero, uma sede grandíssima de encontrar uma saída, de encontrar a verdadeira esperança.
O acolhimento na Fazenda se dá por meio da liberdade da pessoa ao escrever uma carta solicitando o pedido de ajuda. A carta é um documento, o primeiro e mais importante passo para atestar esse livre arbítrio e o desejo de recuperação. Quando a pessoa chega em qualquer uma das unidades da Fazenda, percebe que não existe um portão trancado. Ou seja: quem está ali, é porque deseja. Para os que não acreditam em mais nada, esta é uma oportunidade de encontrar um novo estilo de vida.
KATHOLIKA: Há pessoas que não se recuperam? Qual a perspectiva de vida saudável para elas?
Antes de mais nada, é importante ressaltar que o primeiro objetivo da Fazenda da Esperança não é somente resgatar alguém das drogas, mas apresentar um novo estilo de vida capaz de libertá-la dos vícios.
Nesse processo, consequentemente, há muitos que acabam não aderindo o plano terapêutico da comunidade e não concluem o período proposto de 12 meses de recuperação, que, sem dúvidas, é apenas o primeiro passo dos muitos desafios que terão que ser enfrentados. Aqueles e aquelas que, junto com suas famílias, conseguem trilhar esse caminho tornam-se testemunhos vivos de que “toda vida tem esperança” e recuperam a dignidade e os valores essenciais do relacionamento humano.
KATHOLIKA: Qual a importância do trabalho, da vida comunitária e da espiritualidade no processo de recuperação de uma pessoa?
Estes três pontos são a base da metodologia da Fazenda da Esperança.
A espiritualidade tem o objetivo de favorecer a descoberta de novos valores indispensáveis para a vida humana. O relacionamento com Deus desperta o autoconhecimento e o desenvolvimento interior. Nesta perspectiva, a Fazenda oferece a reflexão diária da Palavra do Evangelho, sem imposição de crença ou credo, e a partilha das experiências vividas à luz da Palavra.
A vida comunitária facilita a recuperação, com a convivência fraterna, semelhante à de um grupo familiar. Na convivência estão incluídas as atividades de recreação, lazer, esporte, arte e música. Bem como atividades de promoção de autocuidado e da sociabilidade.
Por fim, as atividades de promoção da aprendizagem de um ofício e o exercício diário do trabalho capacitam, por exemplo, os jovens a exercer qualquer uma profissão que venham a desempenhar no futuro, com responsabilidade, disciplina, criatividade e alegria.
O trabalho em equipe favorece o bom relacionamento com os demais e aumenta a capacidade produtiva de cada um. Contribui para sua formação pessoal e sua capacitação para futura reinserção no mercado de trabalho. Além disso, as atividades inclusivas favorecem a realização pessoal, o resgate da autoestima, a descoberta de novas habilidades e o protagonismo social e pessoal.
KATHOLIKA: Qual o maior presente que a Fazenda recebe ao ajudar essas pessoas em situação de vício?
Não somente a Fazenda ganha quando alguém consegue fazer o seu caminho de recuperação, mas a família ganha de volta o seu ente querido, os filhos ganham novamente os pais que, por conta dos vícios, deixam de cumprir seu papel, a sociedade ganha de volta uma pessoa capaz de se relacionar, portadora de dignidade e de valores. Enfim, todos ganhamos!
Quando alguém faz o seu caminho de recuperação, consegue, com a sua própria história, promover a conscientização e a prevenção naqueles que estão ao seu redor. É um agente transformador!
A Fazenda nada mais faz do que o papel de acreditar em cada pessoa e isso desperta no coração de todos a gratidão. Tal fato pode ser comprovado em todos os voluntários que vivem dentro das Fazendas. Eles são pessoas que, em algum momento, viveram o seu processo de recuperação. Em todos os âmbitos da sociedade e nas diversas profissões, as pessoas que se dedicam totalmente ao cuidado do outro, tornam-se mais humanas. Não há maior presente que uma vida transformada através de pequenos gestos de amor. Como dizia São João da Cruz, “onde não há amor, coloque amor e encontrarás”. Essa é a nossa missão!