Escrever é uma arte. As ideias e inspirações vem como assaltos noturnos, arrancam a gente da tranquilidade do sono e transformam-se numa inquietação, como se a ideia quisesse pular da cabeça para o papel e daí para a realidade concreta.
Vivi muitas experiências assim e, em algumas situações, gestei ideias por anos, ou demorei para montar o quebra-cabeças que é construir uma obra que vem em pedaços à inspiração. Às vezes é um fragmento de cena ou uma imagem. Mas vem como uma experiência mística desinstaladora.
Sempre me inquietou, nas minhas ideias criativas, comunicar uma experiência com Deus que fosse arrebatadora. De certo modo, assumi como matiz das minhas produções o que chamo de “eco da arte”. Na contramão da dinâmica contemporânea da arte como produto de consumo e simples entretenimento, acredito numa arte que transforme as pessoas, que permita uma experiência de Deus por meio da estética, fazendo ecoar aquelas mensagens implícitas ou explicitas no que produzo.
Já há uns quatro anos fui assaltado por uma dessas ideias. Me veio à cabeça uma espécie de Ópera Rock. Apresentar uma Paixão de Cristo, fugindo dos roteiros tradicionais, e extraindo da “espiritualidade do rock” uma estética que alcance alguns corações mais rudes. Talvez soe estranho a expressão “espiritualidade do rock”. Mas não é. Um dia, numa conversa com o André Leite, cantor e compositor de rock cristão, entendi o que isso significa. Há uma sensibilidade em quem faz rock e uma possibilidade de conexão com o divino que são incríveis. Essa conversa confirmou minhas inspirações.
Comecei então a elaborar uma Ópera Rock que estou chamando provisoriamente de “Passion fills”. Fills é no rock um solo de guitarra que se faz para preencher um instante de silêncio no meio da música. Daí parte minha inspiração. A paixão de Cristo, o calvário, a morte de Deus na cruz, é um instante de silêncio profundo que divide a história num antes e depois. Esse silêncio assombroso, tem personagens marcantes e muito representados na história, mas nenhum tira o foco daquele personagem principal que faz toda a criação se calar para testemunhar sua humilhação.
A representação da Paixão de Cristo, já vista de tantas formas desde a idade média quando teve início o costume de representá-la em forma de teatro, na minha opinião, deixa escapar algo fundamental: o silêncio doloroso cortado por pouquíssimas palavras muito significativas do crucificado.
Na minha Ópera Rock, o Fills da guitarra marca esse silêncio doloroso, numa melodia metálica que comove incomodando.
Há ainda um último spoiler a ser dado: O que é mais difícil de se superar? A dor ou a humilhação? Estamos acostumados com as representações do Cristo chagado como se a crueldade da dor fosse o seu maior sofrimento. Mas, pense! Não foi mais custoso a Ele ser humilhado na cruz? Em palavras muito rasas, a dor sara fácil, mas a humilhação não. Mais que sofrer dores, Jesus sofreu a humilhação da cruz. Pregado nu, coroado com ramos de espinhos que mais que causar-lhe dor tinham a intenção de colocá-lo ao ridículo. Desprovido de toda a dignidade humana na hora da morte, ao reclamar de sede, deram-lhe uma esponja embebida de vinagre, produto usado para higiene das pessoas nos banheiros públicos.
Ouso dizer que a maior dor da cruz não foram as feridas, mas a humilhação.
Espero, nos próximos anos, produzir minha Ópera Rock com esses elementos implícitos. Espero reunir para esta Obra os mais sensíveis corações do rock cristão, para propor-lhes primeiro uma experiencia de imersão nesse universo. O resultado dessa imersão, será um espetáculo digno de silêncio e contemplação. E espero que ecoe.
Richard Oliveira
Richard Oliveira é formado em Filosofia pela Faculdade Católica de Pouso Alegre e cursando teologia na mesma Faculdade. É seminarista na Diocese de Guaxupé, MG. No Katholika é redator no portal, roteirista e diretor nas produções audiovisuais.