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MILAGRE: QUANDO EXISTE OU QUANDO É ENGANAÇÃO?

Benção

Por Padre Robison Inácio

Dois filmes lançados em contextos muito distintos podem ser usados para responder a pergunta tema deste artigo: o filme Miracles from Haeven (Milagres do Paraíso), ano 2016, responde quando existe; e o filme Leap of Faith (O Salto da Fé) – lançado no Brasil como Fé demais não cheira bem -, ano 1992, responde quando é enganação.

Milagres do Paraíso

No primeiro filme, Christy, uma mulher religiosa, passa por uma crise de fé depois que sua filha Anna é diagnosticada com uma grave doença, rara e sem cura. Anna sofre de dores crônicas! Christy passa a mover todos os recursos da família para encontrar uma solução para o problema. Prestes a desistir, a garota sofre um acidente: ela cai de uma grande árvore e bate a cabeça. Porém, ela não só sobrevive à queda, como fica curada da sua doença. Isso deixa os médicos e a família maravilhados!

A personagem Abbie Beam, irmã de Anna, faz a seguinte definição: “Milagres são o jeito de Deus nos avisar que Ele está aqui”.  Logo, só há milagre quando Deus se faz presente. Mas Deus está presente em todos os lugares! Então, só há milagres quando a presença divina se irrompe de modo criativo – não no sentido de inventar e sim no sentido de criar uma realidade nova. Só há milagres quando o protagonista é Deus e não o homem.

 

“Só há milagres quando o protagonista é Deus e não o homem”.

 

Fé demais não cheira bem

No segundo filme, o pastor Jonas Nightengale é um charlatão itinerante e, por onde passa com sua caravana, oferece “milagres” em troca de doações. Os truques do pastor Jonas empolgam as multidões, mas seus “milagres” não passam de efeitos de espelhos e fumaça. O filme, embora sendo ficção, retrata uma realidade muito séria que marca o dia a dia do mercado religioso neopentecostal brasileiro.

Neste ponto, o recurso à etimologia faz-se necessário. A palavra milagre vem do latim miraculum e significa uma maravilha ou um prodígio, uma intervenção divina. Quando se recorre à língua grega, encontram-se os termos sêmeia ou thaúmata que possibilitam interpretar milagre como sinal. No sentido bíblico, o milagre existe como um sinal que não tem um fim em si mesmo e que aponta para uma realidade que vai além do fenômeno.

Um exemplo calha muito bem! O condutor de um veículo automotor, quando está dirigindo, cultiva atenção constante aos sinais dados pelas placas de sinalização. Ao ver cada sinal retratado numa placa, o condutor não se prende ao sinal em si, ele o interpreta e compreende a informação, e assim ele prossegue sua viagem com segurança.

O número 548 do Catecismo da Igreja Católica ensina que os milagres realizados por Jesus atestam que Ele é o enviado do Pai e são um convite a crer n’Ele. Os milagres fortificam a fé no Filho, que realiza as obras do seu Pai, e atestam sua natureza divina. Os milagres não se destinam a satisfazer a curiosidade e os desejos mágicos.

 

“Os milagres não se destinam a satisfazer a curiosidade e os desejos mágicos”.

Jesus ao curar os enfermos, ao multiplicar víveres e ao realizar outros prodígios não pensa apenas em satisfazer as necessidades imediatas das pessoas que se apresentam diante d’Ele. Ele quer muito mais! Quer evidenciar a realidade do Reino de Deus já presente e atuante neste mundo e, assim sendo, atestar a veracidade da sua obra realizada, no Espírito Santo, em nome do Pai.

 

Há uma distinção muito salutar entre milagre ordinário e milagre extraordinário

O milagre ordinário é aquele que acontece a todo instante na realidade criada. Por exemplo: o despontar do sol; o cair da chuva; o germinar da semente; o desabrochar da flor; etc. Observando, atentamente, constata-se que essas operações marcam o corriqueiro da existência e são extremamente complexas. Apesar de serem explicadas, cientificamente, não deixam de ser uma maravilha, um prodígio ou uma intervenção divina ordinária a fim de que haja vida. Essas realidades não requerem a fé para ser interpretadas. Elas podem ser interpretadas apenas cientificamente. Uma pessoa de fé, ao contemplar essas operações naturais, vê no mecanismo que as garante a irrupção do divino. Uma pessoa sem fé pode chegar à fé ao contemplar a complexidade dessas operações naturais e ordinárias.

 

 

O milagre extraordinário é aquele que acontece em algumas circunstâncias pontuais e que desafiam a lógica da ciência. Por exemplo: a cura física de uma pessoa desenganada pela medicina; um milagre eucarístico; etc. Esse tipo de milagre é a atestação de que Deus é, absolutamente, soberano e livre para agir como, quando e onde Ele quiser. A fé é requisito para uma pessoa ser miraculada e para a interpretação correta desse sinal.

O Senhor “mandou e logo tudo foi criado. Instituiu todas as coisas para sempre, e deu a tudo uma lei que é imutável” (Salmo 148, 6). Esse versículo de um salmo que glorifica o Deus criador oferece elementos que permitem interpretar e compreender o milagre ordinário e o milagre extraordinário. Sobre este último, como interpretá-lo se Deus incute na realidade criada uma lei (lógica), que é imutável? Deus é o primeiro e o principal observador dessa lei, mas o milagre extraordinário é, simplesmente, consequência da livre, soberana e criativa irrupção divina na realidade criada.

 

 

“O milagre extraordinário é, simplesmente, consequência da livre, soberana e criativa irrupção divina na realidade criada”.

 

Padre Robison Inácio de Souza Santos, Diocese de Guaxupé (MG), é mestre em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e membro do corpo docente da FACAPA (Faculdade Católica de Pouso Alegre – MG).