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In-Versos: A culpa é uma Fantasia?

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Por Gilvair Messias 

Pergunta difícil, talvez. Mas, geralmente sim. A culpa pode vir do fracasso de um ideal não alcançado. Podemos nos culpar porque fracassamos naquilo que desejamos, que idealizamos, que imaginamos para nossa vida. Geralmente a culpa está associada à religião, pois nela encontram-se ideais muito elevados.

Entretanto, também podemos culpar ao outro. E isto é muito comum. Do mesmo modo como muito nos idealizamos, idealizamos quem está ao nosso lado. Às vezes o culpamos de não cumprir o que desejávamos que nos fizesse.

A culpa é o fracasso de um desejo ou a sua proibição, um mecanismo pelo qual contemos sua realização. Por isto ela é tão intensa.

O outro é (em grande parte) um ideal que nele projetamos. Culpá-lo pode ser um modo de esquivar-nos de nossa própria responsabilidade. Podemos ganhar notoriedade diante da culpa que impomos a alguém.

Já viram como procuramos culpados em toda tragédia? De algum modo nos santificamos ante o pecado dos outros. Um pouco como na história do Dilúvio, os pecadores morrem por sua culpa e os justos são salvos. Quanto já se transferiu para um ser sobrenatural, como o demônio, a responsabilidade do mal!

Muitos acontecimentos não têm culpados, vieram de fatores diversos. Porém, cada acontecimento ensina e, ao mesmo tempo, exige responsabilidades. Algumas pessoas não se consertam porque muito se culpam! A culpa as mantém no mesmo erro, visto que ela não ensina, apenas diminui a pessoa. E um sujeito diminuído não consegue fazer progressos. Estas pessoas permanecem num círculo vicioso. Cometem determinados atos e, em seguida, se culpam. Nestes casos, tenho a impressão de que a culpa é um lugar interno, onde quem a sente se autoflagela para não se transformar verdadeiramente. Ela acaba por ser uma ilusão de mudança e arrependimento. Na verdade, o indivíduo não está preparado para livrar-se do que o leva a culpar-se.

Seria mais adequado, diante de um erro, dizermos “perdoa-me” do que dizermos “desculpa-me”. Quando peço perdão, estamos dispostos a perder alguma parte de nós. O que perdemos no perdão não volta mais para nós. Enquanto pedimos desculpas, estamos pedindo que o outro nos alivie da culpa de um ato, que nos devolva o que perdemos com sua reprovação.

Uma sociedade de culpados é uma sociedade alienada e estagnada. Somente o perdão suscita responsabilidade. Geralmente o culpado é humilhado, mas não é responsabilizado. E ele deseja muito recuperar o que perdeu. O erro continua. Ao invés disto, o perdoado precisa refazer seu erro. Todavia, o culpado não é capaz de refazer seus erros; deles é prisioneiro.

Precisamos mais encontrar os responsáveis e menos os culpados pelos erros da sociedade. A culpa pode manter uma moral, mas a ética se faz com a responsabilidade dos indivíduos. Já vi pessoas se culpando de atos que não são erros e sendo responsáveis por erros sem percebê-los em sua gravidade.

E então? Procuramos em nós e nos outros as culpas ou as responsabilidades? A culpa pode ser uma fantasia que atribuímos à frustração de nosso ideal interno. Mas a responsabilidade é a realidade, não tem idealização. Muitos, imersos pelo ideal de si mesmos, culpados de não serem perfeitos, tornam-se cegos às suas reais responsabilidades.

Gilvair Messias é professor graduado em Filosofia, História e Teologia. Mestre em Teologia. Especialista em Comunicação e Cultura e também em Psicanálise Clínica. Autor de livros e administrador do perfil @sentimentos_de_poeta_no_diva.