A Vida Consagrada é chamada a ser reflexo daquela dimensão profunda de cada pessoa: a dimensão contemplativa, que está inscrita no coração dos seres humanos. Ela nos mostra, desse modo, o aspecto esponsal, a união da alma esposa com o Esposo, eis o caminho que cada alma é chamada a percorrer.
À vista disso, a vida consagrada, na integralidade da oferta de si à pertença ao Sumo e Único Esposo, é a expressão da vida do Esposo com O qual a alma consagrada é chamada a viver uma relação muito profunda, a fim de ser cada vez mais conforme a Ele na total configuração da própria vida.
Por conseguinte, “a vida consagrada está colocada no coração da Igreja como elemento decisivo para a sua missão” (Vita Consecrata 3) de revelar unicamente o Rosto de Cristo nessa pertença exclusiva a Ele que é o Único Esposo.
Por isso, como bem nos instrui o cânone 663 do Código de Direito Canônico: “o primeiro e principal dever de todos os religiosos” deve ser “a contemplação das coisas divinas e a união com Deus pela oração assídua” (Código de Direito Canônico, cân. 663). Assim também nos diz o Papa Bento XVI: “a contribuição essencial que a Igreja espera da vida consagrada destina-se muito mais ao ser do que ao fazer” (Sacramentum Caritatis 81). Pois é na sua essência que se encontra a dimensão mais bela e mais importante para viver o profundo sentido da consagração religiosa e se constituir expressão do que realmente os consagrados são chamados a ser para a humanidade sofrida que tem o anseio por essa união sublime que é a alegria suprema.
Consequentemente, podemos vislumbrar que, “na manifestação da santidade da Igreja”, é necessário reconhecer uma objetiva precedência à Vida Consagrada, pois ela espelha a respectiva forma de viver de Cristo. “Nela se encontra uma manifestação particularmente rica dos valores evangélicos e uma atuação mais completa do objetivo da Igreja que é a santificação da humanidade.” (Vita Consecrata 32).
A Vida Consagrada, nessa “identificação «conformativa» ao mistério de Cristo,” realiza, assim, a título singular, “aquela confessio Trinitatis, que caracteriza toda a vida cristã, reconhecendo extasiada a beleza sublime de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, testemunhando com alegria a sua amorosa magnanimidade com todo o ser humano.” (Vita Consecrata 16). Portanto, ela “é anúncio daquilo que o Pai, pelo Filho no Espírito, realiza com o seu amor, a sua bondade, a sua beleza” (Vita Consecrata 20).
Isso posto, podemos contemplar que “a vida consagrada constitui memória viva da forma de existir e atuar de Jesus, como Verbo encarnado face ao Pai e aos irmãos. Aquela é tradição vivente da vida e da mensagem do Salvador.” (Vita Consecrata 22). Por isso, ela “suscita continuamente, na consciência do Povo de Deus, a exigência de responder com a santidade de vida ao amor de Deus derramado nos corações pelo Espírito Santo (Rm 5,5)” (Vita Consecrata 33).
O Código de Direito Canônico afirma: “a vida religiosa, enquanto consagração da pessoa toda, manifesta na Igreja o maravilhoso matrimônio estabelecido por Deus, sinal do mundo vindouro.” (Código de Direito Canônico, cân. 607.). É, pois, de suma importância o testemunho dos consagrados que, na vivência profunda da contemplação revela o Rosto da Igreja, sendo por isso “um dom que a Igreja recebe de seu Senhor e que oferece como um estado de vida permanente ao fiel chamado por Deus na profissão dos conselhos”. Desse modo, a Igreja “pode, ao mesmo tempo, manifestar o Cristo e reconhecer-se como esposa do Salvador”. A vida religiosa, portanto, participa “do mistério da Igreja” e é chamada “a significar, em suas variadas formas, a própria caridade de Deus”. (Catecismo da Igreja Católica 926).
Por conseguinte, a Vida Consagrada expressa “de modo eloquente a sua íntima essência esponsal” (Vita Consecrata 105). O significado esponsal da Vida Consagrada tem peculiar destaque e “reflete a exigência da Igreja viver em doação plena e exclusiva para seu Esposo, do qual recebe todo o bem.” E, nesta dimensão esponsal peculiar “de toda a vida consagrada, é, sobretudo, a mulher que se reconhece de modo singular em sua própria identidade, de certa forma descobrindo aí a índole especial do seu relacionamento com o Senhor.” (Vita Consecrata 34).
Por meio da pessoa consagrada que, “seguindo o exemplo de Maria, nova Eva, exprime a sua fecundidade espiritual, tornando-se acolhedora da Palavra, para colaborar na construção da nova humanidade com a sua dedicação incondicional e o seu testemunho vivo”, a Igreja apresenta de modo pleno “a sua maternidade, quer mediante a comunicação da ação divina confiada a Pedro, quer através do acolhimento responsável do dom divino, típico de Maria”, modelo de cada alma consagrada. (Vita Consecrata 34).
Portanto, é a dimensão contemplativa que ressalta o aspecto esponsal que os consagrados são chamados a viver de modo profundo, pois é esta a prioridade, é para isso que primeiramente Ele chamou as almas consagradas, para estarem com Ele (Mc 3, 13). A vida consagrada é desse modo, chamado a estar com o Esposo na entrega total e exclusiva a Ele; e revela, por isso, o rosto da Igreja, esposa de Cristo. E tudo isso nos faz contemplar a necessidade deste testemunho na Igreja de hoje, testemunho que ilumina a necessidade e o anseio profundo de cada alma.
Irmã Valéria Carvalho de Oliveira
Irmã Valéria é religiosa da Congregação das Irmãs Salesianas dos Sagrados Corações. Na congregação atua na formação.