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BEBIDA ALCÓLICA: O QUE A IGREJA ENSINA E QUAIS OS MALEFÍCIOS PARA A SAÚDE?

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Prof. Dr. Gerson Yoshinari


O INÍCIO DO CONSUMO DE BEBIDAS ALCÓOLICAS

Acredita-se que a bebida alcoólica teve origem na Pré-História, mais precisamente durante o período Neolítico, quando houve a aparição da Agricultura e a invenção da Cerâmica. Segundo o Centro de Informações sobre o Álcool (CISA), a partir de um processo de fermentação natural ocorrido há aproximadamente dez mil anos, o ser humano passou a consumir e a atribuir diferentes significados ao uso do álcool. Os celtas, gregos, romanos, egípcios e babilônios registraram de alguma forma o consumo e a produção de bebidas alcoólicas.

 

A EMBRIAGUEZ DE NOÉ

Em uma das mais belas passagens do Antigo Testamento da Bíblia (Gênesis 9,21), Noé, após o Dilúvio, plantou vinha e fez o vinho. Fez uso da bebida a ponto de se embriagar. Reza a Sagrada Escritura que Noé gritou, tirou a roupa e desmaiou. Momentos depois seu filho Cam o encontrou “tendo à mostra as suas vergonhas”. Foi o primeiro relato que se tem conhecimento de um caso de embriaguez. Michelangelo, famoso pintor renascentista (1475-1564), inspirou-se nesse episódio para pintar um belíssimo Afresco, com esse nome, no teto da Capela Sistina, no Vaticano.

É conhecido de todo cristão que Jesus Cristo iniciou a sua vida pública, de milagres, durante as Bodas de Caná, transformando água em vinho, segundo o Evangelho de João. Observa-se que a história do consumo de álcool e a embriaguez confunde-se com a própria história da humanidade e da cristandade.

 

OS EFEITOS DO CONSUMO DE ÁLCOOL

O álcool tem um efeito depressor no Sistema Nervoso Central, atuando diretamente em neuroreceptores (GABA, por exemplo) e inibindo neurotransmissores (como a Glutamina), entre outros efeitos. Após seu consumo pode-se experimentar uma sensação de euforia mas que rapidamente se segue de relaxamento, desinibição social, sonolência e diminuição da consciência, podendo diminuir os reflexos do organismo, o que pode ocasionar até a morte.

Com relação ao Câncer, vários estudos têm demonstrado a relação do consumo de álcool com o aumento do risco de desenvolvimento da doença. É preciso destacar que quando falamos de Câncer estamos englobando debaixo de um mesmo “guarda-chuva” uma centena de doenças diferentes. Algumas delas se relacionam com o consumo de álcool, principalmente os cânceres do trato gastrointestinal (esôfago, estômago, fígado, pâncreas). Entretanto, por mais contraditório que possa parecer, o efeito absoluto do consumo de álcool no surgimento dos cânceres é de apenas 4%. Segundo estudo publicado na prestigiada revista científica Lancet Oncology

caso não houvesse o consumo de álcool, 4% dos cânceres seriam prevenidos. Pode parecer pouco e muitos utilizariam essa informação como justificativa para consumir o álcool de forma irresponsável, mas não é bem assim.

No mundo todo, essa fração corresponde a 750 mil novos casos no ano de 2020, por exemplo. Há uma relação entre a quantidade consumida diária e o risco de desenvolvimento do Câncer, com maior perigo para consumo superior a 60 gramas de álcool por dia. Isto equivale a quatro ou cinco doses diárias, sendo uma dose correspondente a 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 40 ml de uma bebida destilada.

É preciso compreender que o álcool também contribui indiretamente para piores desfechos do Câncer. O consumo excessivo de álcool usualmente está ligado ao tabagismo e a hábitos de vida de risco para doenças oncológicas (promiscuidade, má alimentação, utilização de outras drogas, etc.). A questão social também tem implicações no tratamento e acompanhamento dos pacientes: um indivíduo com a família desestruturada pelo álcool terá mais dificuldades em realizar o seu tratamento de forma adequada, o que impacta na mortalidade. Por outro lado, o consumo moderado do álcool parece proteger contra eventos cardiovasculares (infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, entre outros). O assunto é polêmico: a Associação Norte-Americana do Coração, AHA, reconhece que, apesar de haver estudos que demonstram relação entre o consumo moderado de álcool e melhor saúde cardiovascular, que é melhor não consumir. E se consumir, que seja em pequenas quantidades, não havendo distinção entre o tipo de bebida.

 

O ÁLCOOL E A IGREJA CATÓLICA

Segundo o Catecismo da Igreja Católica no número 2290, o abuso do álcool é condenável, mas beber não é pecado, desde que em quantidades mínimas, evitando exageros e o intuito de se embriagar propositadamente para se anestesiar.

            Em 1974, a Igreja Católica alterou o Código de Direito Canônico para permitir que a Eucaristia seja realizada com suco de uva no lugar do tradicional vinho. Para poder celebrar com suco de uva, o padre necessita de uma autorização do Vaticano. Ela é obtida com a comprovação, por atestado médico, de que o religioso não pode beber vinho.

          

O texto complementar do Cânone 924, do código, afirma o seguinte: “A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé concede, em caso de necessidade, indulto para celebrar Missa com mosto, quer dizer, com suco de uvas sem fermentar. Assim faz, por exemplo, no caso de sacerdotes que, por alcoolismo ou outra doença, não possam tomar o vinho”.

            Como exemplo, em 2013, os padres católicos de Curitiba foram autorizados a trocar o vinho usado nas celebrações por suco de uva. A orientação partiu do então Arcebispo de Curitiba Dom Moacyr José Vitti. A Arquidiocese da cidade estava preocupada com as possíveis sanções que os sacerdotes poderiam receber devido à Lei Seca em vigência no Município.             É verdade que a medicina aprendeu muito sobre o câncer nos últimos 50 anos, mas ainda sabemos muito pouco. Somente em 40% dos cânceres conseguimos explicar a sua origem, sobre os outros 60% apenas podemos especular, por enquanto. (Saiba mais)

Há um exemplo que sempre gosto de compartilhar com os meus pacientes e alunos quando tenho oportunidade. Evitar os fatores de risco para o surgimento de doenças é como atravessar uma rua movimentada: você pode aguardar o sinal estar aberto para o pedestre, olhar para os dois lados e atravessar na faixa e ainda assim ser atropelado. Entretanto, essa chance aumenta muito se atravessar fora da faixa, correndo em zig zag com os olhos vendados. É o mesmo com o álcool. Se o seu receio é em desenvolver Câncer, menos é mais.

Prof. Dr. Gerson Yoshinari é formado em Medicina e Doutor em Oncologia pela Universidade de São Paulo – USP. Especialista em Radioterapia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP- USP. Engenheiro de Controle e Automação e pós-doutorando pela Universidade Federal de Itajubá. Professor da Faculdade de Medicina de Itajubá – FMIT.