Prof. Dr. Gerson Yoshinari
Muitas vezes, em meu consultório, após o paciente receber o diagnóstico de um câncer, é comum ouvir a pergunta: doutor, de onde isso veio? Essa pergunta tem as mais diferentes motivações. Pode ser um questionamento carregado de revolta, como se o paciente perguntasse “Meu Deus, o que foi que eu fiz para merecer isso?”. Outros pacientes são mais pragmáticos, querem saber da onde veio para saber se há algo que possa ser feito ou evitado, se há risco para seus parentes. Esses questionamentos são resultados de um processo de reação à uma má notícia.
Usualmente essas reações se apresentam em cinco fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Independentemente do questionamento, o certo é que a medicina já tem um entendimento bastante razoável das causas do desenvolvimento do câncer. Em primeiro lugar, como apresentei no artigo anterior, sabemos que o câncer é uma doença genética, ou seja, o problema se inicia no material genético dentro das células que contêm as instruções de como elas devem funcionar.
Essas instruções estão escritas em um alfabeto especial, em um “papel” muito especial também que são as moléculas denominadas ácidos ribonucleicos. No Brasil, são mais conhecidas por suas siglas em língua inglesa: DNA e RNA. Essas moléculas compõem o material genético que está dentro das células. As instruções nelas contidas comandam as atividades celulares: quando crescer e se multiplicar, quando produzir substâncias, quando parar de se multiplicar e quando morrer.
Usualmente tudo funciona muito bem, entretanto, pode ser que alguma coisa aconteça a esse material genético, algum dano, alguma mutação (mudança “indesejada”) ou alguma alteração na sua leitura. Quando isso acontece, geralmente o problema é prontamente reparado pela célula. O nosso organismo é extremamente eficiente em reparar problemas no material genético. Eventualmente, os danos são irreparáveis, e então a célula é ordenada a se autodestruir, justamente para não causar maiores problemas.
Entretanto, em algumas raras ocasiões, os mecanismos de defesa do organismo são incapazes de corrigir os erros ou destruir a célula anormal que, ocorrendo nas chamadas “células-tronco do câncer”, o câncer pode se desenvolver. Perceba que eu disse PODE, não quer dizer que VAI acontecer. Uma série de capacidades celulares são necessárias para que essa célula vire um câncer (já foram mapeadas mais de dez dessas capacidades).
Ora, então o principal fator de risco para ter câncer é ESTAR VIVO! Quanto mais tempo vivemos, maiores as chances de que os mecanismos de conserto do organismo falhem e que a célula-tronco do câncer desenvolva as capacidades necessárias para virar câncer. De uma certa forma, é uma consequência do uso do maior dom de Deus, que é a vida. E o que pode levar a esses erros na célula-tronco do câncer? Bem, temos três causas identificadas. A primeira é o acaso, hereditariedade e fatores modificáveis. Pretendo discorrer sobre eles em uma próxima oportunidade.
Finalizando, na hora da tristeza, alguns pacientes podem se perguntar: se a vida é dom de Deus, e Deus é sumo bem, como Ele permite que uma doença tão terrível recaia sobre seus filhos que somos nós? Esse é um assunto dos mais interessantes e não tenho a pretensão de discuti-lo aqui, mas deixo para a reflexão uma passagem do Evangelho de João, capítulo 9, versículos de 1 ao 3: “Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram: ‘Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?’ Disse Jesus: ‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele.”
Prof. Dr. Gerson Yoshinari é formado em Medicina e Doutor em Oncologia pela Universidade de São Paulo – USP. Especialista em Radioterapia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP- USP. Engenheiro de Controle e Automação e pós-doutorando pela Universidade Federal de Itajubá. Professor da Faculdade de Medicina de Itajubá – FMIT.