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Entrevista: Um jovem missionário na Índia

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Em 1° de outubro, a Comissão Episcopal para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deu início à Campanha Missionária 2020 que este ano traz como tema “A vida é missão”, e o lema “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8).

Mas, por que outubro é o mês dedicado às missões? O Mês Missionário tem sua origem no Dia Mundial das Missões, penúltimo domingo de outubro. A data foi instituída pelo Papa Pio XI em 1926, como um Dia de oração e ofertas em favor da evangelização dos povos.

O testemunho de tantos homens e mulheres, missionários que deixam sua pátria, sua família e amigos, e se colocam a serviço da obra da Igreja numa terra estrangeira, é de modo especial enriquecedor para todo cristão.

O Katholika conversou com o Pe. Matheus, um jovem do PIME (Pontifício Instituto das Missões Exteriores), natural de Brasília, no Distrito Federal, e que há 2 anos está em missão na Índia.

O Pe. Matheus se descreve como “uma pessoa que busca… em perpétua busca de Deus, durante a peregrinação dessa vida”. Formado em Física pela UnB (Universidade de Brasília) não chegou a atuar como físico. Fez parte da Seleção Brasileira de Esgrima e chegou a defender o Brasil nos Jogos Pan-americanos de Santo Domingo. Sentindo o chamado de Deus à uma vida de consagração, ingressou na Fraternidade Toca de Assis e, depois de algum tempo, entendeu que seu chamado à vida de missão poderia ser respondido no PIME. Estudou teologia em Milão, na Itália e foi ordenado em Brasília, em 2018. Recebeu como missão dedicar sua vida e seu ministério ao povo indiano.

ENTREVISTA

KATHOLIKA: Pe. Matheus, conte-nos um pouco sobre o que é o PIME e como foi seu despertar vocacional para este instituto?

PE. MATHEUS: O PIME é um instituto de vida apostólica. Isso significa que temos alguns aspectos da vida religiosa, como a organização centralizada e o fato de trabalhamos juntos, e alguns aspectos da vida diocesana. Assim, a vida comunitária não é obrigatória como nas comunidades religiosas. Nós procuramos formar comunidades sempre que possível, mas pode ser que em Bangladesh ou nas montanhas da Tailândia, a comunidade seja formada por missionários que estão em locais que distam centenas de quilômetros e se encontram só uma vez por mês. Então comemos uma pizza juntos. As distâncias mudam, ainda bem que o menu permanece (risos). Nossa vida se baseia em quatro pilares: a missão Ad Extra (fora do seu próprio país), Ad Gentes (entre os não cristãos), Ad vitam (para a vida toda) e em união, como uma família de apóstolos. O PIME busca trabalhar com a Igreja local, ajudando-a a se desenvolver. 

Perceber a minha vocação para o PIME levou tempo. Quem quiser a história completa me convide para uma pizza (risos). Conto que me atraiu, além da prioridade do anúncio do evangelho, a certeza de poder partir. Muitos consagrados sonham com a missão ou com trabalhar com os mais pobres dos pobres, mas acabam restritos por outras urgências. No PIME, a missão ad gentes é parte indispensável da nossa vida.  

KATHOLIKA: No PIME se recebe uma missão para a vida toda. Como foi para você assumir essa missão e quais suas maiores expectativas e medos? 

PE. MATHEUS: O momento de receber a destinação, alguns meses antes de concluir a formação, é um momento de profunda emoção e graça: o sonho de testemunhar o Evangelho começa a se concretizar, ganha feições específicas e pontos reais no mapa mundi. A missão na Índia tem várias dificuldades, mas quando a recebi, tive certeza que era a vontade de Deus. De todos os meus colegas, eu era o único que já havia visitado esse país, embora quase ninguém o soubesse. Foi uma viagem de jovem mochileiro, eu queria ter ido fazer voluntariado na África por 6 meses, mas na última hora um imprevisto mudou os planos. Na época, ainda não pensava em ser missionário e achei que as coisas tinham dado errado nos meus planos. Mas nos planos de Deus não. Vim para a Índia e me apaixonei. Voltei cheio de saudades, ainda sentindo o cheiro de incenso e o sabor do chai, mas achando que nunca mais iria retornar. 

KATHOLIKA: Conte-nos um pouco sobre sua vida na Índia e como você vive seu ministério.

PE. MATHEUS: Eu estou atualmente como um visto de estudante. Faço mestrado em Serviço Social e Empreendedorismo Social em Mumbai. Esse curso serve também para me situar nesse mundo diverso, aprender um pouco mais da cultura, sociedade e legislação. O aprendizado se dá, seja tanto pelo ensino propriamente dito, quanto pela exposição no ambiente universitário. De 300 alunos no primeiro ano, o número de católicos não chega a 5. São frequentes perguntas como “o que vocês celebram na Páscoa?”. Eu, que falo pouco, acabo respondendo uma pergunta assim começando por Moisés e os profetas. Leva umas 2h de conversa. Se tiver chai, pode chegar a 4h (risos). 

Assim, meu tempo se divide entre a faculdade, visitas aos projetos sociais nas favelas e a paróquia onde moro. Esta paróquia é um santuário mariano, dedicado a Nossa Senhora de Velankanni, que segundo a tradição indiana foi uma aparição do tempo em que partes da Índia eram colônia portuguesa. No sábado, temos 6 missas em 4 línguas diferentes. 

KATHOLIKA: Desse tempo em missão na Índia, qual situação mais lhe marcou?

PE. MATHEUS: O modo como Deus prepara o caminho. É assim em tudo, nas situações complicadas ou na simplicidade das pequenas coisas. Dessas, relato um pequeno exemplo:
Certa vez tirei uns dias de descanso e fui caminhar num parque nacional, que fica próximo da nossa paróquia rural de Bagdogra. O amigo que foi comigo insistiu por uma trilha de 4 dias, buscando alojamento nos vilarejos de montanha. Eu, que celebro a missa todo dia, saí carregando na mochila todos os utensílios necessários e o vinho, que pode ser perigoso, pois álcool é proibido em alguns lugares. O primeiro dia de caminho terminou tendo atravessado muitos lugares, todos com símbolos budistas… até alguns monges tibetanos encontramos. Minha preocupação era onde eu iria celebrar a missa. O guia decidiu mudar os planos e ficar em um local fora da rota usual, onde chegamos quando já começava a escurecer. Para minha surpresa, avistando o vilarejo, a primeira coisa que despontou no horizonte foi uma cruz, a primeira que via em vários dias. Perguntei sobre ela à família que nos hospedou. Um jovem respondeu: “fui eu que a coloquei ali, sou o único católico em todas essa região, pois minha falecida mãe era católica. Construí uma capela em sua homenagem. Mas é difícil ser católico aqui, meses, as vezes anos sem missa”. Bem, naquele domingo, à luz de velas, eu tive uma linda capela onde celebrar, e ele, a Eucaristia. 

KATHOLIKA: Você deu início ao Projeto Cuidado a Distância no Brasil. Fale um pouco sobre o projeto e como ele tem se organizado.

PE. MATHEUS: O Cuidado a Distância é um projeto de apadrinhamento escolar. Uma pessoa, uma família ou um grupo de amigos pode apadrinhar uma criança na missão, sustentando os estudos e acompanhando ela por meio da oração e de algumas correspondências que mandamos durante o ano. Atualmente temos 65 crianças apadrinhadas na Guiné Bissau, Índia, Bangladesh e Tailândia. 

Uma característica do Cuidado a Distância é a relação pessoal, pois cada projeto local que atende a criança é acompanhado por um missionário, alguém que conhecemos de perto. Muitas vezes é um brasileiro que mora na missão há anos.

KATHOLIKA: Uma preocupação das pessoas quando se associam a um projeto como esse é se os recursos realmente chegam ao destino. Conte-nos uma experiência concreta dos frutos do projeto.

PE. MATHEUS: Nós procuramos reduzir ao máximo os custos administrativos e burocráticos, queremos que o recurso chegue à missão, onde pode realmente mudar a vida e o futuro de uma dessas crianças. Por isso, todo o trabalho de divulgação e envio de correspondências no Brasil é feito por voluntários. Não temos funcionários. Preferimos esse modelo mais simples, as vezes não tão dinâmico, mas que permite que o recurso chegue inteiramente à missão, apenas descontadas as taxas bancárias e administrativas. Uma experiência concreta e muito boa é que graças a diferença de câmbio, o recurso se multiplica: com R$1100, menos de R$3,30 por dia, conseguimos pagar pelo ano inteiro a escola, a merenda e o material escolar para uma criança, que de outro modo seria privada de educação formal. 

KATHOLIKA: A vocação missionária é uma riqueza da Igreja. O que você diria a quem se sente chamado à missão?

PE. MATHEUS: Quando a pessoa está apaixonada, logo se percebe algo diverso: um sorriso mais leve, um ar mais feliz, uma alegria contagiante. É a natureza do amor ser doação, ser partilha, entrega de si. Assim também é a nossa vida espiritual: se realmente amamos a Cristo, partilhar essa experiência se torna natural. A missão faz parte do ser cristão. Quantas vezes Jesus no Evangelho fala de partir, ir além, ser enviado? Assim, a missão é de todos nós, em todos os ambientes. 

Mas a vocação à missão Ad gentes é um sinal especial para o mundo, que lembra que todos somos irmãos, independente do país, cultura e etnia. Comecei falando sobre a busca de Deus, na caminhada desta vida. Como os discípulos de Emaús, nós encontramos Jesus pelo caminho e a alegria é tão grande, que queremos correr e compartilhá-la.