Muitos “especialistas” fazem prognósticos sobre o mundo após a pandemia; e na esfera religiosa, teólogos ou cientistas da religião, também se aventuram a delinear os contornos da Igreja naquilo que chamam de “novo normal”.
Alguns teóricos religiosos, por vezes ligados à hierarquia da Igreja também falam atraindo a atenção para o brilhantismo das suas novidades sobre o futuro da Igreja neste contexto ao qual aderiram sem muita reflexão. Esta pandemia não foi a primeira e nem será a última. Vírus circulam perigosamente no mundo continuamente e estarão sempre entre nós.
Com relação aos prognósticos dos eclesiásticos sobre o futuro da Igreja seria interessante observar para quem tem fé que este futuro não depende de nenhuma circunstância humana ou histórica ou mesmo eclesial, que não esteja prevista pela providência divina para purificar a Igreja e torná-la cada vez mais santa e irrepreensível aos seus olhos (Ef 5.27).
Covid-19 ou qualquer outra pandemia que virá não é a causa da necessidade da mudança da Igreja. Conversão é uma necessidade permanente de toda a Igreja em todos os seus membros deste o Papa, cardeais, bispos e padres até os fiéis mais distantes da instituição. A Igreja é “Ecclesia semper reformanda”. E a crise que se instaurou na Igreja não veio da pandemia, mas já lateja há algum tempo. A Pandemia só agudizou o que era latente.
O que se permite pensar dos sintomas atuais, que são observados em perspectiva de futuro, deve ser analisado com parcimônia e cuidado. Ninguém sabe claramente o que pode ocorrer e quais são as novas atitudes a serem tomadas. A única certeza é de que ou a Igreja se renova por dentro ou não será mais Igreja. Será um sal insosso, uma luz apagada que não dará mais sabor e nem será referência de Cristo para o mundo.
Entre os sintomas existentes, se desenvolvidos, se projeta uma Igreja totalmente baseada em pequenas comunidades independentes de estruturas sobrepostas. A falta de credibilidade das instituições minadas por escândalos reais, ou forjados por inimigos, levam os fiéis mais bem informados a desconfiarem daquelas estruturas que fogem do seu dia e a se dedicarem às comunidades básicas às quais estão vinculados e sob seu controle.
Isto significa um esvaziamento do significado referencial e representativo de dioceses, cúrias, e todas instituições já sedimentadas e dos próprios ministérios ordenados. Cabe uma pergunta: a Igreja pode existir prescindindo de ministros ordenados que presidem a Eucaristia e que por sua vez são ordenados por um bispo que garante a sucessão apostólica e consequentemente a validade da ordenação? Não pode! Mas o Espírito pode apontar meios bem diversos mais leves, menos concentradores, menos elitistas, mais capazes de despojar as estruturas de carreirismos e lutas de poder.
De fato, a família cristã será o nascedouro de uma Igreja do Espírito sem muitas estruturas e cargos e templos faraônicos. O número de fiéis voltará ao número da Igreja das catacumbas, ou seja, será muito menor.
As comunidades e os fiéis terão sua base de orientação nas Escrituras e na vivência e leitura comunitária da fé sob um líder próximo mais versado na doutrina e tradição ininterrupta da Igreja. Assim foram os primórdios da Igreja da Coreia, cujas comunidades evangelizadas por leigos tornaram-se as mais vigorosas e fervorosas do mundo atual. De fato, os fiéis que restam resistem em ouvir e obedecer a palavras de autoridades eclesiais distantes, ou próximas, que não lhes pareçam conformes ao que lhes foi transmitido na catequese familiar e comunitária. O clero em geral não é mais considerado representativo da fé comum da Igreja. A balbúrdia e a dispersão de opiniões entre estes líderes, seja na forma de celebrar, seja na forma de interpretar os textos sagrados são tão alarmantes que perderam a credibilidade.
O fechamento das igrejas por muito tempo desvalorizou e desmotivou o significado salvífico da assembleia litúrgica presencial.
O número de fiéis caindo drasticamente vai comprometer a sobrevivências das igrejas que precisam se manter por si mesmas. Isto força a Igreja a caminhar em outra direção. Há um consolo: o único Senhor da Igreja é Cristo. Ele irá renová-la. Só não sabemos qual será a direção!
Pe. José Cândido da Silva é Pároco em São Sebastião, Região Centro-Sul de Belo Horizonte e Editor Chefe do Katholika.