Por Gilvair Messias
Olho a cena… e a vejo dentro de mim. A borboleta que chega à flor. Ambas, ante a luz do sol, confidenciam perfumes, revelam segredos, entregam amores, libertam aromas. Por um momento mágico, são a mesma criatura, a mesma criação, o mesmo Criador. Não há mistério algum… A borboleta não tem motivos para ir à flor. Vai porque vai… muitas outras flores pelo jardim. Mas aquela é da qual naturalmente se aproxima. Nada é cobrado uma da outra. Elas se oferecem mutuamente.
Não tenho muitos amigos. Jesus escolheu doze. Chamou-os também de amigos, segundo o evangelista João. E apenas um acompanhou-o à cruz. Mas, os poucos amigos que tenho, sabem naturalmente quando deles careço. Não preciso dizer… eles chegam de mansinho. Recolhem o néctar cansado em minhas pétalas. Oferecem-me aromas de outros espaços… tornam leve meu fardo. Deixo-os também ter repouso. Depois se vão. Eu fico. Às vezes, sou eu mesmo que vou. Eles ficam… Nada é cobrado de um ou de outro. Quando voltará, o que faz agora, esqueceu-se ou lembrou-se do amigo… Seguimos nossos voos, ou curtimos o vento que sopra as pétalas, a jogar algumas na calçada de uma vida quase extática de jardim.
Quando cansados ficamos, não temos outro jeito de ver a vida… aos amigos voamos. Há alguns dias falei com um… Antes, ao telefone, perguntei se podia ir à sua casa, depois dele mesmo confessar cansaço. Simplesmente, disse-me que a amizade descansa a alma. Encontramo-nos como se nunca estivéssemos estado longe. Ele sabe quem sou como ninguém sabe. Tem algo divino nisso tudo… Lembro-me de tantos episódios nos quais Jesus exercia algum poder transformador na vida das pessoas. Coisas simples… Jesus é o mestre da amizade. Sabia, mais do que qualquer pessoa de sua época, quais eram as dores humanas… Tocava os pontos frágeis de cada um e ajudava-o a superar seus embaraços e a viver em plenitude. Ouvia, ficava junto, ia pra mesa, fazia refeição, tornava o encontro cumplicidade.
Tenho amigos que libertam minha alma de seus desassossegos. Quando por eles passo, volto a voar com liberdade. Retiram o peso de minhas asas cansadas e devolvem ao meu paladar o gosto pela vida. Trocamos voos e néctar entre risos e silêncios… não pedimos segredo de nada. Pedido de segredo é para os que têm medo. Ficamos juntos dilatando a eternidade naqueles curtos momentos. A hora chega sem que cheguemos até ela… Vem a tarde sem entardecermos.
Acredito que a amizade é uma das formas mais puras de amor, mais desinteressada, mais sutil, mais terna e elevada. Ela é tão natural, sem hora marcada, sem cobrança ciumenta, sem preocupação desmedida como o encontro de uma borboleta miúda do céu com uma flor solitária de um jardim.
Gilvair Messias é professor graduado em Filosofia, História e Teologia. Mestre em Teologia. Especialista em Comunicação e Cultura e também em Psicanálise Clínica. Autor de livros e administrador do perfil @sentimentos_de_poeta_no_diva.