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IN-VERSOS: RELIGIÃO, EXCESSOS E VAZIO

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Por Gilvair Messias

É pela experiência do vazio que se encontra com o sagrado. Tal experiência possui duas dimensões: o esvaziar-se de si mesmo e tornar-se mais leve e mais saudável; e o vazio com a efetivação de um dom – o amor e a arte que emergem das profundidades do ser e tornam-se obra. Quem é vazio vive num constante preencher-se e esvaziar-se. Nas palavras de Schelling, numa constante “fome de ser”.

Jesus experimentou o vazio e a “fome de ser” (Mc 1,12-13). A metáfora do deserto ilustra a vocação humana para a transcendência. Transcender é ir além do que já é conhecido. O deserto é caminho ao desconhecido, é abandono de conhecimentos estéreis e ousadia de buscar um novo lugar.

A experiência de Deus é aquela que provoca a páscoa em qualquer época e lugar. O Espírito (a liberdade) é quem faz o humano. O ser humano só é humano se não for domesticado, vendo Deus e a vida além das tentações (Mt 4, 3-11). Afinal, tentação é o mesmo que redução de perspectivas. É olhar o deserto e nada ver mais do que ele, desejar o retorno ao Egito para comer de suas miseráveis cebolas (Nm 14, 1-4).

Nos desertos da vida humana, a função de qualquer religião é a de ser oásis. Um oásis não é o fim do deserto, mas o local onde se faz a memória, não admitindo o esquecimento de que há uma terra fértil manando leite e mel. Portanto, nas religiões se bebe água fresca sem anular as dores do corpo e o cansaço da trajetória. E ainda mais, assim como Moisés e Aarão, as religiões narram as maravilhas desta terra, animam o povo com a confiança na presença amável de Deus (Nm 14, 5-9).

Os profetas denunciam uma realidade muito parecida com a nossa: a de uma religião que perdeu de vista o seu Deus e esqueceu a sua face nas interfaces dos acontecimentos, que deslocou os seus objetivos para outros lados e permitiu a entrada dos “ídolos e suas estranhezas” nos cultos (Jr 11, 1-14). Os ídolos desviam o olhar e o conduz ao exílio. Estar no exílio é não conhecer o chão onde se pisa e, pior ainda, não ser íntimo, próximo e, tampouco, estreitar laços. No deserto, pelo Espírito, se inicia uma comunidade. No exílio, todos se distanciam, prevalece o individual e vigora o conhecido ditado “cada um por si e Deus por todos”.

Para aquele que decide ser cristão espera-se, no mínimo, o desejo de transcendência e liberdade que percorreu pelos sentidos de Abraão, Moisés, Ester, Jeremias, Maria, Jesus Cristo, Pedro… E, espera-se que a religião seja o local onde pessoas se encontrem por este desejo comum. Quando a comunidade religiosa é reunida nesta perspectiva, configura-se a experiência sapiencial. A religiosidade torna-se um modo de ver o mundo e a vida na (e com) a presença de Deus. É neste sentido que o coração esvazia-se da fé para soltá-la aos lábios, esparramando aos ares como se fosse semente.

 

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Gilvair Messias é professor graduado em Filosofia, História e Teologia. Mestre em Teologia. Especialista em Comunicação e Cultura e também em Psicanálise Clínica. Autor de livros e administrador do perfil @sentimentos_de_poeta_no_diva.