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IN-VERSOS: REVELAÇÃO DO AVESSO

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Por Gilvair Messias

Não sei muito bem se é assim. Mas, certa vez, uma bordadeira disse-me que se conhece bem a um bordado olhando seu avesso. Lá é possível ver a qualidade do trabalho, seus defeitos e suas perfeições, seus pontos e seus segredos, seus caminhos e seus desvios. Alguém que tem domínio da arte saberá decifrar determinado bordado pelo seu contrário.

Tenho aprendido que o avesso de cada pessoa ensina mais sobre ela do que sua aparente figura. O avesso é a essência… O que nos esconde pode ser o que nos revela.

Tenho aprendido, e como dói a isso fazer, a não desprezar bordadeiras que surgem na vida para revelar-me o avesso. Elas identificam os nós, os pontos fracos, os pontos soltos… Temos nós que amarram o fio de nossa existência. Fingimos que eles não interferem naquilo que somos. Que já foram resolvidos no passado. Que a linha seguiu seu bordado. Mas eles estão lá, prontos para, a qualquer hora, mostrarem que são empecilhos à liberdade do caminho. Outros estão soltos… tão frágeis que podem desmanchar tudo aquilo que fizemos em anos a fio. Qualquer interferência externa desmancha tudo o que foi feito, por mais bela, agradável e fixa que seja a aparente obra.

Tenho aprendido a não temer bordadeiras. Sei que melhor é receber os elogios dos que olham do lado de fora. Mas são os que me provocam por dentro, às vezes, para despertar minha própria ira, que me ensinam a romper os nós e prender os fios. Prefiro os que me acham perfeito, uma obra de arte, um ser quase divino. Mas aprendo mais com aqueles que me olham como humano, frágil, com erros e inacabado, com nós e fios soltos…

Sei apenas que é preciso deixar de ver o bordado sem tocar nos fios e examinar seus caminhos. Como é bom ter uma justificativa e deixar tudo como está, superficialmente belo, correto, íntegro. Se for para refazer, que seja refeito. Não é porque o desenho está pronto, uma bela bandeira nacional, uma face cristalizada, que não seja permitido voltar aos pontos, aos pólos…

Que bom haver essas bordadeiras no mundo, ensinando-nos a ver o que de fato somos para além daquilo que aparentamos, acreditamos ou queremos ser. Se o bordado mostra a beleza anônima, o avesso revela o essencial, os fios nus, os dedos do trabalhador – a bordadeira.

 

Gilvair Messias é professor graduado em Filosofia, História e Teologia. Mestre em Teologia. Especialista em Comunicação e Cultura e também em Psicanálise Clínica. Autor de livros e administrador do perfil @sentimentos_de_poeta_no_diva.