Conto de Natal
Corria o ano de 1937. A casa da família Müller na Baviera, Joseph e Gertrudes, escondia-se no extenso pomar de macieiras cuidadosamente cultivado pelos dois filhos: Frederico e Bertrand. Ambos jovens e dedicados à família e muito queridos pela comunidade local. A vida era simples. Trabalho no campo, e aos fins de semana os encontros com as namoradas. Andechs era o povoado a que pertencia a estância da família Müller. Aos domingos, a família reunia-se com os demais habitantes do lugarejo para a missa dominical. Era gente honesta e trabalhadora.
Em uma tarde de outono, quando as folhas das árvores todas coloridas de cor alaranjada começavam a cair, para ceder, aos poucos, o lugar para neve do inverno próximo, a família Müller estava reunida na frente da casa jogando conversa fora e rindo das fofocas ingênuas dos habitantes locais. Tinham tido uma excelente colheita de maçãs.
Bertrand, escorreu a mão sobre sua vasta cabeleira loura, mas que não via água desde o sábado anterior. Os banhos não eram um costume diário naqueles tempos:
- “Pai, este ano tivemos uma farta colheita de maçãs. Graças a Deus, podemos implementar melhorias e mecanizar nosso trabalho com novos equipamentos”. Havia um certo temor do pai não concordar com a proposta.
- “Verdade, filho. Você e seu irmão esforçaram-se muito. As novas ferramentas vão facilitar o trabalho de vocês”. Disse o velho pai, olhando com gratidão para os dois filhos dedicados e amorosos.
- “E você, mamãe; a senhora pode caprichar nas suas deliciosas tortas para a alegria do Sr. George”, brincou Frederico, o filho mais novo que era o queridinho da mamãe. Sr. George era dono de uma pequena padaria local. Lá se vendiam pães, guloseimas e os famosos apfelstrudels da Sra. Gertrudes.
- “Mas também doei muitas para o Pe. Walter distribuir aos mais pobres”. Replicou a senhora Gertrudes como se estivesse justificando. Ela sempre ajudava as obras assistenciais da pequena paróquia do vilarejo.
De repente, ouve-se o apito do trem que passava pela propriedade da simpática família. Quando era época de colheita os passageiros se encantavam com a beleza das maçãs cultivadas na propriedade.
Era um belo entardecer de outono e o sol timidamente já se escondera atrás das colinas quando um policial, que tinha desembarcado na estação próxima, abordou a família e, constrangidamente, deu voz de prisão ao Frederico por ter, supostamente, abusado de uma moça quando da sua viagem na semana anterior a Munique para tratar de negócios a pedido do pai.
Todos ficaram estupefatos porque ninguém sabia ou podia imaginar que aquele jovem tivesse cometido tal barbaridade. Apesar dos protestos do próprio Frederico, do pai, da mãe e do irmão mais velho, Frederico foi levado para prisão em Munique. As dificuldades de comunicação da época isolaram o pobre rapaz na sua cela onde foi trancafiado sem saber o motivo exato da sua prisão.
Toda aldeia se uniu à família do Frederico para investigar o que poderia ter acontecido. Algumas semanas depois descobriram que a denúncia tinha partido de uma moça ciumenta que não se conformava em ser preterida pelo belo rapaz que escolheu uma sua rival.
Desfeito o engano, foi exigida a soltura do jovem. Frederico recebeu na cadeia a notícia de que seria solto. Sem ter comunicação com a sua família não sabia o que realmente tinha acontecido, e se seus severos pais o tinham perdoado pela vergonha que ele os fizera passar.
O trem corria sobre os trilhos na direção de Andechs, terra da família Müller. Frederico estava sentado na janela. Ao seu lado um senhor o observava curioso. Pela janela passavam as bucólicas paisagens da Baviera. Era dezembro. A neve já se aninhava no cimo das colinas. Frederico tinha a cabeça recostada no vidro e estava muito tenso.
- “Porque você está tão tenso, caro jovem?” Perguntou-lhe o senhor ao seu lado, puxando a gola do casaco por causa do frio e cruzando as pernas.
- “Estou saindo de uma prisão injusta”, respondeu Frederico. “Escrevi uma carta aos meus pais, antes da minha soltura, pedindo perdão pela vergonha que lhes fiz passar. Não recebi resposta. Eles não sabem escrever, mas meu irmão sabe”.
- “Fique calmo. Estamos próximos do Natal. Certamente sua família está preparando uma bela surpresa para você”. O senhor percebeu que o jovem era de boa índole e tentou reanimá-lo.
- “Na carta que escrevi, continuou Frederico, pedi que, se eles me perdoassem, deveriam sinalizar com um lenço branco numa das macieiras à margem da linha do trem”.
Diante do olhar preocupado do seu companheiro de viagem, ele acrescentou:
- “Se eu não vir a macieira com o lenço branco, eu não vou desembarcar na estação de Andechs, e nunca mais verei minha família”, sussurrou o jovem já com o semblante visivelmente abatido.
O trem continuou sua trajetória. Faltavam poucos minutos para o comboio atravessar a plantação de maçãs. Frederico fechou os olhos, abaixou a cabeça e disse, em prantos, ao comovido senhor ao seu lado:
– “Avise-me se vir alguma coisa”. E voltou a se recolher na sua triste solidão: mãos crispadas, olhos cerrados e marejados de lágrimas, respiração ofegante.
Na sua memória desfilavam os maravilhosos momentos da convivência familiar, a ternura dos pais, a camaradagem do irmão que ele amava, e o carinho da namorada. Tinha até mesmo planejado pedi-la em casamento nas festas de fim de ano. Ambos eram jovens. Mas as duas famílias estavam indo muito bem nos seus negócios. Iria perder tudo? Preferia morrer!
A paisagem do lado de fora também parecia estar em tensa expectativa. O trem começou a apitar porque a estação do povoado estava próxima. Quando a tensão estava no auge, e a história da vida de Frederico atingia seu ponto sem retorno, o senhor sentado ao lado de Frederico começou a exclamar e a bater no ombro dele todo empolgado:
– “Abra seu olho e seu coração, meu caro jovem. Veja a surpresa que prepararam para você!”. Frederico abriu os olhos e viu todas as macieiras decoradas com lenços brancos. Todas! Ele chorou de alegria! Aquele foi seu melhor Natal.
“Conto inspirado numa história real contada por Guy Gilbert, padre e escritor francês “.
Pe. José Cândido
Pe. José Cândido da Silva é Pároco em São Sebastião, Região Centro-Sul de Belo Horizonte e Editor Chefe do Katholika.