Por Wilson Torres Nannini
O físico ateu inglês Stephen Hawking, certa feita, se referiu a um buraco negro existente numa galáxia próxima, cujas dimensões superam em dois bilhões de vezes o tamanho do sol – sol que já é 1,3 milhões de vezes maior que a Terra.
Por muitos anos, eu me sentia com um vazio interno do tamanho de um buraco negro, onde ia enfiando mais e mais escuridão, soma de muitas luzes que se adoeciam e morriam.
“Semiateu” de meio grama, passei 25 anos sem me confessar. Imagine, deixar os outros fuçarem nos pianos destroçados que eu varria para debaixo do tapete, na roupa suja escondida sob a cama no quarto trancado. Eu, hein?
Mas aí, em 2016, já com o indelével selo católico marcado a ferro em brasa no couro grosso do coração, finalmente enveredei à Confissão.
Confissão Comunitária quaresmal. A Matriz apinhada de padres. O silêncio era uma soma de centenas de sussurros vergonhosos e absolvições singelas. Eu estava a dois pecadores trêmulos na fila do padre da minha paróquia, quando vi entrar na Igreja, e tomar lugar entre os confessores, um padre a quem, anos antes, eu desferira críticas tão mordazes quanto idiotas nas redes sociais.
Abandonei meu lugar e tomei o derradeiro posto na nova fila. Quando chegou minha vez, como um velho que não andasse de bicicleta desde a infância, muito desengonçado, contei ao padre os meus muitos e gravíssimos pecados. E a cereja (de chuchu venenoso) do bolo de erros: as ofensas que lhe fizera.
Ele não fez nenhuma menção às tais críticas. Deu-me um misterioso toque imprescindível: “Às vezes, algumas pessoas com quem cruzamos, só escutarão sobre Deus através de nós”. E me absolveu.
Trator destrambelhado convertido em passarinho libertado, voltei para casa levitando a meio milímetro do chão, feito tivesse nas mãos a procuração para ser representante de Deus aonde quer que eu fosse.
No entanto, por vezes, a gente nega Deus sem perceber. Outra noite, atendi a uma ocorrência, na qual um homem estava desesperado por conta de uma desavença que tivera com a esposa. No decorrer, ele se expressou ateu. Acalmei-o e segui todos os protocolos de atendimento em ocorrências policiais para o caso. Mas por ele se dizer ateu, eu, por pudor, não lhe falei de Deus. Eu não lhe disse que Deus é amor, que Deus sutura, cura e cicatriza qualquer ferida na alma, até as do tamanho de dois bilhões de sóis.
Pequei, não pequei? Será que devo ir logo me confessar? Sinto que sim! Quando falamos de Deus a outras pessoas, Deus se aumenta em nós. Por outro lado, quando somos desmazelados para com as missões a que Deus nos remete, abre-se em nosso peito um buraco negro, que nem dois bilhões de Stephen Hawking, ateus ou não, podem supor.
Wilson Torres Nannini, da safra de 1980, casado com a Carolina, é policial militar de Minas Gerais. Vive, trabalha e serve em Botelhos/MG. É autor dos livros de poemas “alcateia” (2013) e “escafandro” (2015), ambos pela Editora Patuá.