“Não há senão um só Deus Pai, um só Filho Unigênito, um só Espírito Santo. Nós enunciamos separadamente cada uma das hipóstases e, quando precisamos enumerá-las em conjunto não o fazemos de maneira que possa induzir a uma concepção politeísta.” (São Basílio de Cesareia)
O Padre Zakaria Botros, da Igreja Ortodoxa Copta, personalidade muito conhecida no Egito, certa vez participou de um programa televisivo no qual lhe foi pedido para explicar, de modo plausível, o mistério da Trindade aos islâmicos que, por não compreenderem esse mistério, acusam os cristãos de idólatras, adoradores de três deuses. Padre Zakaria assim explicou: “A Bíblia ensina que Deus criou o homem à sua imagem (cf. Gênesis 1, 27). Mas Deus não possui imagem física, não possui nariz e não possui orelha. Então, o que significa dizer que Deus criou o homem à sua imagem? Simplesmente que o homem tem uma inteligência, uma palavra e um espírito. Esses elementos constituem uma trindade: intelecto; linguagem; e espírito.” A explicação acima ajuda a compreender também que Deus, o Ser Vivente, tem uma existência. Ele não é uma ideia abstrata.
Ao invés de vasculhar a Santa Escritura e a Tradição a fim de encontrar fórmulas trinitárias dogmaticamente bem elaboradas, é luminoso partir de Gênesis 1, 27 para se compreender o mistério da Trindade. Toda pessoa humana tem em si o reflexo do mistério do Deus Trindade. Partindo dessa realidade, pode-se fazer uma analogia e dizer que o intelecto corresponde ao Pai, a linguagem corresponde ao Filho e o espírito corresponde ao Espírito Santo.
Além do exemplo usado pelo Padre Zakaria, há outro que parte da maneira tripartida de se conceber a pessoa humana. Para os Padres gregos, toda pessoa humana é um composto de corpo, alma e espírito. Nessa composição tripartida da pessoa humana, a realidade do mistério da Trindade se reverbera, nitidamente. Segundo Vladimir Lossky, “a perfeição do homem não se radica no que o assemelha ao conjunto das criaturas, mas no que o distingue do cosmos assemelhando-o ao Criador.”
Se alguém deseja contemplar e conhecer o mistério da Trindade, o caminho a ser percorrido não é o da especulação filosófica, não é o do apreço pelas ideias abstratas e não é o da busca por realidades etéreas. O Pai, ao criar tudo por meio do Filho e para o Filho (cf. Colossenses 1, 16), no poder do Espírito Santo, deixou na criação, especialmente no homem, as marcas do mistério divino da Trindade. Partindo daquilo que a Revelação nos diz sobre Deus, é possível reconhecer no homem o que nele corresponde à imagem divina. Então, a partir do dado revelado, é possível contemplar a realidade criada – especialmente o homem, criado à imagem e à semelhança de Deus (cf. Gênesis 1, 26) – e chegar à contemplação do sublime mistério da Trindade. Essa contemplação significa a aquisição do conhecimento místico de Deus. Logo, nesse sentido, o conhecimento do mistério de Deus passa pelo conhecimento do mistério do homem. É impossível conhecer o mistério do homem sem chegar ao mistério da Trindade.
É maravilhoso entender que para revelar, plenamente, o seu próprio mistério, a Trindade serviu-se da humanidade! O Filho de Deus encarnado, mediante a sua divino-humanidade, revelou aos homens o Pai (cf. Mateus 6, 9) e prometeu enviar-lhes o Espírito Santo (cf. João 15, 26). A chave espiritual de acesso à divindade está na própria humanidade!
Esse viés teológico, ou seja, essa via de reflexão para se chegar ao mistério da Trindade não poderia incorrer num certo emanatismo, como se o homem fosse uma espécie de derivação ou de prolongamento da divindade? Não. Sobre isso bem recorda Santo Agostinho: “Uma coisa é a Trindade em si e outra a imagem da Trindade numa realidade.” O mistério da Trindade em si não se confunde com o seu reflexo na realidade criada, especialmente no homem. Por exemplo: Um corpo iluminado pela luz, embora reflita a luz, não se confunde com a luz por ele refletida.
Enfim, há um só Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Esse único Deus, na comunhão de amor das três Pessoas divinas, transborda seu amor em toda a realidade criada, especialmente no homem, obra prima da sua criação. Deus Trindade não é um enigma e sim um mistério. Qual é a diferença entre enigma e mistério? O enigma, numa das principais denotações da palavra, é uma realidade indecifrável. O mistério, mesmo sendo uma realidade velada, é passível de ser alcançado e conhecido pela razão humana, embora esta não possa esgotá-lo na sua profundidade e na sua totalidade.
Padre Robison Inácio de Souza Santos
Padre Robison Inácio de Souza Santos, Diocese de Guaxupé (MG), é mestre em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e membro do corpo docente da FACAPA (Faculdade Católica de Pouso Alegre - MG).