Certa vez, ao chegar em casa depois de uma noite de plantão na unidade de terapia intensiva, um irmão de comunidade me perguntou: “Quantas vidas você salvou hoje?”. Rapidamente, e sem muito pensar, respondi que ao menos ninguém havia morrido. Instantes depois me coloquei a refletir sobre minha resposta, que num primeiro momento podia parecer, no mínimo, estranha. Porém, vinha a minha lembrança quantas vezes me vi impotente diante de situações gravíssimas, nas quais mesmo fazendo tudo que estava ao meu alcance, tudo que era pregado pela medicina, prescrevendo as melhores medicações, procedimentos e exames não era o suficiente para salvar aquela vida.
Vida sim, e não uma doença a ser curada, uma situação a ser revertida. Por traz de um corpo doente há sempre uma história, uma família, um contexto, um sofrimento único, irrepetível. Em todos os momentos, mas principalmente nessas situações em que a medicina se vê limitada, é que percebo que o poder de salvar não está em minhas mãos, mas nas mãos Daquele que nos deu a vida.
Vejo o quanto faz a diferença ter a consciência que posso ser instrumento de cura quando ela é possível, mas saber ainda que, apesar de desfechos negativos, o que compete a mim é ser para o paciente um apoio, uma fonte de segurança, que alivia seus sofrimentos, que se relaciona e não apenas exerce as ações de examinar, dar o diagnóstico e prescrever um tratamento, como que de maneira mecânica. A todo instante devo buscar ser um sinal do Deus que está conosco, passemos nós pela situação que for. O Deus que nos acolhe nas situações limites desta vida e que nos mostra que a vida plena reservada para nós, junto Dele.
Mesmo que muitas vezes seja incapaz de salvar, o profissional de saúde pode ser uma gota de calmaria no mar de tormentas e de sofrimento que pode ser um hospital. Ser ponto de suporte também para a família, acima de tudo quando a notícia a ser transmitida não é boa, ter compaixão, solidarizar-se com aquele que sofre.
Um atendimento humano se faz cada dia mais necessário, especialmente nestes tempos em que a medicina se torna cada vez mais “tecnológica”, por vezes fria e distante. O contato, o olhar, o toque, a palavra de conforto são capazes de mudar a visão sobre uma situação ruim. Atitudes que fazem com que o paciente se sinta alguém além de um corpo: uma pessoa que clama por ajuda e a recebe de maneira amorosa e compassiva.
É um exercício constante de doação que nossa profissão exige, mas que nos une à doação que Cristo também fez por cada um de nós. Acredito que o sofrimento pode ganhar novo sentido e, a vitória é certa para todos nós, seja vencendo uma doença aqui na terra, ou alcançando a vitória maior com a qual todos nós devemos sonhar, o céu!
Doutor Cristiano Martins Trindade
Postulante da Comunidade Mariana Resgate. É formado em Medicina pela Unifenas e especialista em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas Samuel Libânio. É professor da Universidade Federal de Alfenas - MG