A origem desta comemoração celebrada na quinta-feira após a Solenidade da Santíssima Trindade deve ser atribuída a uma intensa devoção ao Santíssimo Sacramento durante todo o século XII. Por sua vez, esta origem devocional deve-se à crise da teologia surgida na passagem do primeiro para o segundo milênio a respeito do “como” da presença real de Cristo nos sinais do Pão e do Vinho consagrados.
Durante o primeiro milênio até a época carolíngia, século IX, a cultura ocidental era inspirada no platonismo onde o conceito de simbolismo tinha um significado de expressão adequada da realidade, ou seja, realidade vista e percebida era a expressão verdadeira da realidade invisível e espiritual. A teologia sacramental, em especial, a Eucaristia estava situada confortavelmente neste suporte cultural e linguístico.
O ocidente a partir de Carlos Magno (+ 814), beatificado pelo Papa Bento XIV, transitou culturalmente de Platão e dos teólogos alexandrinos para Aristóteles e, posteriormente, magistralmente para Tomás de Aquino (+1274). Neste novo contexto de domínio da cultura aristotélica pós-carolíngia, a teologia enfrentou gravíssimos problemas de linguagem, uma vez que a realidade, na perspectiva aristotélica, era dissociada de sua dimensão invisível e sustentadora da visibilidade.
A fragilidade do discurso teológico sobre a presença real de Jesus Cristo nas espécies eucarísticas, precisou ser suprida pelo devocionismo alimentado pela profusão em toda Europa dos “milagres eucarísticos” que sustentavam a fé simples dos fiéis. Neste contexto, surge uma religiosa agostiniana, Juliana de Liège na Bélgica, em 1209. Ela teria tido visões do disco lunar dentro do qual havia uma parte escura. Isto foi interpretado como sendo a necessidade de uma festa solene e festiva inexistente no calendário litúrgico da época. Considerava-se inadequada a comemoração da Eucaristia da quinta-feira santa, véspera da sexta-feira da paixão, como incapaz de uma explosão festiva do alegre fervor eucarístico.
O papa João XXII, através da bula “Transiturus”, expandiu a festa na data móvel atual para toda a Igreja. Os textos da missa e da Liturgia das Horas são atribuídos, não comprovadamente, a Santo Tomás que resolveu o problema teológico do “como” da presença real através da terminologia aristotélica da “transubstanciação”. Garante-se com este termo que a presença do Senhor nos sinais do Pão e do Vinho consagrados não deve ser entendida nem como presença física, nem como presença meramente simbólica ou espiritual.
A presença de Cristo no pão e no vinho não é física porque o pão e o vinho permanecem fisicamente como tais após a consagração. Os elementos físicos são chamados de “acidentes” e o elemento da identidade última do pão e do vinho que permite o seu reconhecimento pelos nossos sentidos é chamado de “substância”. Esta substância é que muda após a consagração. “Vemos pão, comemos pão, vemos vinho e bebemos vinho, mas a autoridade da Palavra do Senhor proferida pelo ministro ordenado, e a força do Espírito Santo nos garantem que pelo Sacramento entramos em comunhão com o Senhor vivo e Ressuscitado.
A presença espiritual de Cristo é-nos garantida pela presença sacramental. Pois a presença espiritual se dá nas atividades quotidianas fora dos momentos sacramentais. A presença sacramental que é real e visível através dos sinais só se dá na Igreja congregada para a celebração dos sagrados mistérios. Desta forma, o projeto salvífico de Deus que inclui o Mistério da Encarnação se perpetua na história da humanidade até a segunda vinda gloriosa do Senhor. “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste vinho, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda”!
Pe. José Cândido
Pe. José Cândido é pároco da Paróquia São Sebastião - Região Centro - Sul, de Belo Horizonte, MG, e Redator Chefe do Katholika.