Por Gilvair Messias
Começo a reflexão desta semana com esta afirmação um pouco impactante. Não é que sou contra metas. Nada disto! Ter metas nos dá uma possível organização do que queremos e do que precisamos para atingir o desejado. Bom, acabei por mexer naquela palavra bastante psicanalítica, desejo.
Penso que desejo tenha mais relação com a capacidade de sonhar. Tem a ver também com metas. Mas não vejo desejo e metas numa boa proximidade. Isto porque a meta comprime o próprio desejo.
Alguns exemplos: faço um conjunto de metas para o ano. No final de dezembro vejo que poucas se realizaram. Realizei outras tarefas e atividades. Fico frustrado. Então pergunto: será que a meta era meu desejo? Uma outra situação: um funcionário de uma empresa tem de cumprir metas para garantir uma melhor projeção de seu trabalho. De quem é o desejo? O que ele deseja? Depois de alguns meses, ele adoece pelo trabalho. Era seu desejo?
Atualmente pouco ouço a palavra sonho e mais a palavra meta. Eu me lembro de um tempo que as pessoas respiravam fundo ao falar de seus sonhos. Hoje, infelizmente, não vejo o mesmo. Vivemos gerações cansadas, apáticas e por vezes doentias. Temos mais metas que sonhos, isto é realidade. A meta pode ser o meio para o cumprimento de um sonho e não o seu fim. Tantas vezes ela transforma-se em uma obrigação, deixa de ser desejo.
Obviamente que um bom sonho se concretiza com metas. No entanto, elas não podem ultrapassar a capacidade de sonhar. Uma pessoa com uma meta muito alta corre o risco de não cumpri-la e ainda desiste do que sonhou. Meta é um pouco como o sal para um prato fino, que seria o sonho. Pode ser uma comida muito desejada, se estiver salgada, ninguém come.
Muito se fala hoje em procrastinação. Trata-se daquele hábito de sempre protelar coisas importantes. Deixa-se quase tudo para a última hora, mesmo sabendo que o compromisso era necessário. É um bom conteúdo para uma sessão de análise. Geralmente, procrastina-se como necessidade de se castigar ou de se sentir digno de compaixão e tolerância pelos outros. Ou ainda, procrastinamos porque não queremos o que cumprimos.
Muitas vezes os sonhos são procrastinados porque não nos sentimos deles merecedores. Tornamo-nos incapazes de realizá-los impondo a nós mesmos metas muito altas.
E se começássemos com pequenas metas? Quero ser leitor. Então não começo com a obrigação de 1 livro por semana, mas com 10 ou 15 páginas por dia. Quero economizar. Então começo por diminuir os gastos desnecessários. Se coloco um valor acima do meu orçamento, vou me culpar como “gastão”, perdulário. Uma meta malfeita pode tornar-se uma culpa. E às vezes preferimos nos culpar para nos poupar de um grande esforço.
Gosto muito da figura de José do Egito. Conta-nos a história que ele usava uma veste de mangas largas e que era muito sonhador. Seus irmãos tentaram matá-lo dizendo: “vamos ver para que servem os sonhos!” Os sonhos servem para nos fazer pensar. Pensadores são sonhadores. Neles é que pensamos quem somos ou podemos ser. Eles são vestes de mangas largas, pensamentos amplos. Por isto, uma mente saudável é aquela que ainda sonha.
Sonhar é viver… é respirar fundo. É olhar adiante. Sobrevivemos também, cumprimos obrigações, rotinas, atingimos metas. Mas o sonho está para além das coisas presentes. Ele é o melhor de nós, guardado em uma caixa de presentes do futuro. Vivemos do combustível dos sonhos. Sem eles, estamos condenados ao fracasso de uma terrível aridez humana.
As metas organizam a concretização dos sonhos e obrigações, são matemáticas, cumprem um projeto. Mas os sonhos não… nem sempre são projetados. Pertencem ao mistério da vida.
Eles geralmente chegam até nós com escolhas diferentes das nossas, pelo menos na forma consciente de escolher. Isto nos mostra que os sonhos pertencem a um lugar onde não sabemos quem somos e, por esta inexatidão, é que podemos nos tornar tão autênticos. Um ser sonhante é uma obra de arte, vai além do tempo, faz o não feito, transgride o ordinário, encanta e sofre, ensina o que é o homem.
Em tempos de luta pela sobrevivência, de pandemia, de fome, de desigualdade social, de desemprego, de crise econômica, como ainda sonhar? Será que o brasileiro tem sonhado? Por isto mesmo, não podemos deixar esta capacidade, talvez a mais nobre em nossa emancipação humana. Nossos sonhos, como um Ipê florido na seca, são a resistência de nossa luta, porque viver não é apenas uma meta, mas uma busca sem fim… Enquanto houver sonho, há o homem!
Gilvair Messias é professor graduado em Filosofia, História e Teologia. Mestre em Teologia. Especialista em Comunicação e Cultura e também em Psicanálise Clínica. Autor de livros e administrador do perfil @sentimentos_de_poeta_no_diva.